Motivação

*Originalmente postado no portal Bikepacking Brasil.

Já ouviu falar em Super Randonnèe Permanente? É um evento faz parte do leque de brevets de longa distância homologados pelo Randonneurs Brasil e Audax Club Parisien, que tem 600 km de distância e no mínimo de 10.000 metros de subidas acumuladas, num tempo limite de 60 horas no modo Randonèe ou 7 dias para o modo Turismo. É um desafio autossuficiente, onde é preciso comprovar a passagem pelos Pontos de Controle (com fotos ou algum outro comprovante, como nota fiscal, etc), e não pode ter apoio externo, somente o que puder usar ou adquirir pelo caminho.

Há algum tempo eu venho pensando esse evento, num formato misto (terra e asfalto), seguindo outros eventos de outros dois clubes no Brasil (Clube Randonneurs Santa Catarina e Imperial Randonee). O Randonneurs Mogi, clube que sou voluntário, já organiza um evento desse tipo, o SR Guaratinguetá, somente de asfalto.

E o que isso tem a ver com Bikepacking? Bem, nada melhor que um bom desafio para motivar a buscar novos caminhos, ou conectar caminhos já conhecidos. E melhor ainda se puder fazer isso de forma totalmente autônoma.

A ideia inicial era fazer em maio/junho, com mais outros amigos. Infelizmente a pandemia se agravou e tive que postergar. Com abertura das cidades, com permissão de circulação e com uma certa facilidade para comprar alimentos ou até encontrar lugares para pernoitar, resolvi fazer no final de julho. Só que levando equipamentos completos para Camping e Cozinha, totalmente autônomo.

O resultado desse reconhecimento seria a validação da rota, reconhecimento dos pontos mais duros e principalmente os pontos de apoio e controle.

Roteiro e Planejamento

Uma coisa num roteiro assim não pode faltar: belas estradas, natureza, subidas duras e cidades acolhedoras. E a região entre a Serra do Mar, Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba tem isso de sobra. Por isso a escolha do nome de SR Paraíba.

Após o desenho inicial da rota, usei a função Multi Day Planner do Komoot para dividir o percurso em 4 dias. A ferramenta ajuda a balancear distância, tipo de pavimento e altimetria, e fica realmente fácil para se programar. No resultado final eu fiz pequenos ajustes e fechei o plano.

O meu amigo Elton, assim como eu, estava inscrito no IncaDivide 2020 que foi cancelado, e como estava de férias, e adora essas roubadas, aceitou a presepada!

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No nosso planejamento inicial sairíamos de Guararema-SP e acamparíamos em Catuçada. No segundo dia iríamos de Catuçaba até Monteiro Lobato, onde ficaríamos numa pousada. No terceiro dia acamparíamos em algum lugar entre São Francisco Xavier e Joanópolis. E no quarto dia retornaríamos para Guararema.

Mas, o planejamento não foi executado ao pé da letra, e é aí onde a aventura começa, e fica mais divertida…

Navegação

Eu já conhecia uns 80% de todo o percurso. Contudo, alguns trechos eram desconhecidos para mim, ou ainda não tinha pedalado no mesmo sentido.

Gosto muito de desenhar rotas, estudar caminhos e aprender sobre navegação. É quase uma terapia, e há várias ferramentas pela internet, ou mesmo repositórios de rotas.

Para esse desafio eu resolvi testar para valer o Komoot. Já uso há alguns meses, mas ainda não tinha testado por vários dias.

Como eu fiz?

Primeiro desenhei tudo no computador, ajustei as estradas e cidades. O bom é que tem vários mapas de fundo (Google Maps, Open Street Map, Komoot Map, etc), e até mesmo mapas específicos para tipos de bicicleta (estrada, gravel, mountain bike, etc).

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Depois eu integrei com o meu Garmin Edge 1030, principal dispositivo de navegação que eu uso. Onde acompanho as distancias e altimetrias, e “curva a curva”.

Por fim, ativei a função de “Rota Off-Line”, para ter a rota e o mapa no meu celular, e poder usar sem necessidade de conexão de internet. E nos ajudou muito a identificar se o caminho estava certo, ou mesmo qual a cidade/vilarejo mais próximo para matar a fome (no post do Instagram a seguir mostra eu usando).

Dia a Dia

Dia 1: Guararema-SP a Catuçaba-SP

Acordei bem cedo e segui para encontrar o Elton em sua casa, fui pedalando da minha casa até a dele e foram 12 km cruzando SP de Sul a Norte. Saímos por volta das 6:30 da manhã, paramos para um café e chegamos em Guararema por volta das 8:30. Aprontamos as bikes e começamos a nossa aventura.

Estava um dia muito bonito e boa parte do nosso primeiro dia faz parte do trajeto do BikingMan Brazil, que seria no começo de junho, e foi cancelado por causa da pandemia. Eu pedalei esse percurso em janeiro/2020, e fiquei impressionado com a beleza da região, e obviamente foi decisivo para adicionar no SR Paraíba.

Além do trajeto do BikingMan Brazil, os primeiros 25 km também fazem parte de outra rota cicloturistica, a Rota da Luz, que liga Mogi das Cruzes a Aparecida.

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Primeiro dia, descansados, mesmo com as bikes pesadas, conseguimos seguir com uma boa velocidade. Entretanto, sabíamos que o desafio era grande, já que tinha programado 175 km com quase 4 mil de subida para esse primeiro dia.

Paramos em Salesópolis numa padaria, comemos bem, reabastecemos e seguimos sentido Rodovia dos Tamoios.

Na Rodovia dos Tamoios está com vários trechos em obras, finalizando sua duplicação, requerendo um pouco de atenção aos trechos onde o trânsito vai por via simples. Pouco antes de pegar o longo percurso de terra, paramos para comer num restaurante, descansamos (estava bem quente, mesmo no inverno!) e seguimos para acessar a estrada de terra que conecta a Rod. dos Tamoios e a Rod. Osvaldo Cruz.

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Um longo trecho com quase 60 km e 1700 metros de subida acumulada, que passa por três bairros/vilarejos (Pouso Alto, Bairro Alto e Vargem Grande). E tínhamos na cabeça que conseguiríamos ter todos esses locais como opções para reabastecimento, além de um Posto de Gasolina logo no acesso a Rod. Osvaldo Cruz.

Uma pequena nota, eu sempre tenho uma “reserva de segurança”, um bom “pão com ovo e queijo”, guardado para a hora que a forme apertar! Levar doces, géis, barrinhas, castanhas, ajuda muito, mas tem horas que o seu corpo pede algo de verdade, e essa reserva está ali… E realmente salva!

Essa estrada é fantástica, rodeada de Mata Atlântica preservada, margeando a Represa de Paraíbuna, além de vários riachos e vales. Visual impressionante!

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Passamos por Pouso Alto, tudo aberto e foi uma boa parada. Bairro Alto também. Só que Vargem Grande tudo fechou às 18 horas, e o posto da Osvaldo Cruz fechou às 20 horas. Perdemos esses dois locais e a nossa reserva técnica nos salvou! Ufa… pãozinho abençoado, que dividi com o Elton. Fora o Salamitos que também cumpriu o seu papel salvador nos quilômetros finais.

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Além de Vargem Grande e Posto estarem fechados, tínhamos duas “paredes” para escalar na saída de cada local. Subidas íngremes (10 a 15%) e totalmente no escuro, só na iluminação dos nossos faróis. No inverno o sol se poe cedo…

Com o céu estrelado chegamos no camping em Catuçaba, às 22 horas… Bem fora da nossa hora programada. Pela cortesia do proprietário, montamos nossa barraca num local coberto, tomamos banho, fizemos nossa comida e dormimos MUITO cansados. O primeiro dia ficamos dentro do planejado, pelo menos na distância.

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Consolidado

  • Distância: 173,81 km
  • Altimetria: 3408 m
  • Municípios (SP): Guararema, Salesópolis, Paraíbuna, Natividade da Serra e São Luis do Paraitinga

Dia 2: Catuçaba-SP a Caçapava-SP

Acordamos, desmontamos acampamento, tomamos um café com bolachas (cortesia do camping) e passamos numa padaria em Catuçaba para nos abastecer. O plano do dia era chegar em Monteiro Lobato, por volta de 130 quilômetros dali, com uma boa quantidade de subidas.

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Logo na saída de Catuçaba, a rota não seguiu a rodovia e sim uma estrada de terra paralela, muito íngreme e com o terreno bem solto (cortesia do inverno seco). Pelo menos a descida foi longa e muito boa. Pegamos a rodovia que liga Catuçaba a Rod. Osvaldo Cruz. E depois de poucos metros de Osvaldo Cruz, já voltamos para a terra (ufa!).

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É um percurso com boas subidas, mas com inclinação “aceitável” (sempre abaixo de 12%). Belas fazendas antigas, trechos de bloquetes, e um bom calor! Essa estrada liga São Luis do Paraitinga para Natividade da Serra. Logo senti as pernas bem cansadas pela dureza do dia anterior e também pelo peso da bicicleta carregada.

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Fizemos uma parada num bar “raiz” para tomar uma coca-cola, sorvete e matar um pão com queijo da “reserva técnica”. Desse bar até Redenção da Serra, nossa próxima parada, foi numa outra rodovia asfaltada. Fizemos uma parada no Bar do Pescador já pensando na longa subida que teríamos a frente. Posso até chamar de um passo ao pé de uma baita subida antes de Jambeiro (que já tinha pedalado numa prova do Big Biker de 2013… faz tempo…).

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O melhor de toda subida é a descida, principalmente se uma subida de 2,5 km com 8% de inclinação média te leva para um longo trecho de 20 km de descida (com pequenas subidas intermediárias), as pernas agradeceram!

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Fizemos uma outra boa parada em Jambeiro, essa foi importante para comer bem e também já ia anoitecer. Saindo da cidade começamos a última subida do dia, de 7 km, só que de asfalto e com inclinação bem tranquila. E depois mais uma longa descida e trecho plano até Caçapava.

E, como nem tudo são só belos visuais, problemas mecânicos acontecem e é só ter calma e ferramentas para resolver. O Elton teve um problema com o cambio traseiro, que precisou ajustar o cabo. Foi uma boa desculpa para uma paradinha!!!! 😉

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Em Caçapava, já escuro, paramos num supermercado, e decidimos procurar um local por ali para ficar. Ir até Monteiro Lobato seria muito duro, com duas subidas muito inclinadas e com as pernas já muito cansadas. Foi prudente! Ficamos num hotel do lado da Rod. Dutra, comemos uma pizza e capotamos.

Consolidado

  • Distância: 110,58 km
  • Altimetria: 1988 m
  • Municípios (SP): São Luis do Paraitinga, Natividade da Serra, Redenção da Serra, Jambeiro e Caçapava

Dia 3: Caçapava-SP a Gonçalves-MG

Saímos cedo do hotel e seguimos a Estrada do Livro. Começamos o dia escalando duas “paredes”. O clima estava muito bom, como todas as manhãs. Mais uma parada em Monteiro Lobato, para comer e seguir. Esse dia eu me senti muito melhor. E programamos a próxima parada para almoçar em São Bento do Sapucaí (SBS).

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Até SBS pedalamos 72 km, somente 2 de terra, tinha rendido muito bem.

Mesmo com a pandemia, todas as cidades estavam com os comércios essenciais abertos, com todos os cuidados. Dessa forma sempre usávamos máscara e higienizávamos nossas mãos com álcool.

Em SBS paramos numa padaria em frente à praça do coreto, pedimos uma bela omelete cada um, e comemos na tranquilidade de uma mesa da praça. Nos abastecemos bem, porque sabíamos que o caminho até Gonçalves ia ser bem duro (e, na minha reserva, levei pão de queijo). SBS fica a 880 metros de altitude e Gonçalves 1250.

A estrada entre São Bento e Gonçalves foi a mais impressionante de toda a viagem, a SBS-999. Um vale lindíssimo ao pé da Pedra da Divisa e da Pedra da Balança. Passamos uma primeira subida, com 2 km, deu para ter um gostinho do que estava por vir. Logo em seguida pegamos a muralha: uma subida com uns 2,5 km com 16% médio de inclinação. Empurrei uns 2 km. Eu e o Elton nos esgotamos nesse trecho. 

O visual pagou todo o esforço, e garanti o meu troféu no topo da principal subida e também no ponto da divisa de SP e MG: um pão de queijo!

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Encurtamos o dia e dormimos em Gonçalves (o plano era acampar uns 20 km depois).  Na cidade não há muitas pousadas, falamos com três. Uma estava fechada e duas com restrições de uso (não serviam café da manhã). Ficamos em uma logo na entrada da cidade, na Hospedaria Vila Khepri.

Mais um dia para a lista: “Esse dia foi louco!”.

Consolidado

  • Distância: 93,37 km
  • Altimetria: 2461 m
  • Municípios (SP e MG): Caçapava-SP, Monteiro Lobato-SP, Santo Antonio do Pinhal-SP, Sapucaí Mirim-MG, São Bento do Sapucaí-SP e Gonçalves-MG

Dia 4: Gonçalves-MG a São José dos Campos

Acordamos cedo, fomos até a padaria para tomar um bom café e o tempo estava muito diferente: frio e com chuva. Eu e o Elton conversamos e não tínhamos nos preparado para pegar chuva. A bicicleta e as bolsas não eram o problema, são à prova d’água, o problema era roupa para suportar o frio da Mantiqueira, com chuva, na altitude…

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Decidimos encurtar o dia e seguir por asfalto para São José dos Campos, mais controlado e já tínhamos nos divertido bastante na terra. Assim seguimos, sem pressa, descendo a Serra de Gonçalves até SBS, depois subida e descendo até Monteiro Lobato. E de Monteiro a São José dos Campos.

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Consolidado

  • Distância: 99,17 km
  • Altimetria: 911 m
  • Municípios (SP e MG): Gonçalves-MG, São Bento do Sapucaí-SP, Sapucaí Mirim-MG, Santo Antonio do Pinhal-SP, Monteiro Lobato-SP e São José dos Campos

Você se perguntou como fizemos depois que chegamos em São José dos Campos, já que saímos de Guararema? Não foi tão fácil, chamamos um Uber (depois que alguns negaram a corrida) e o Elton foi até Guararema para pegar o carro e voltar para SJC, para assim retornarmos para São Paulo.

Valeu a pena! Roteiro fantástico. As fotos mostram um pouco de como é a região, só que as verdadeiras memórias estão gravadas em nossas mentes e nas lembranças dessa boa viagem e aventura.

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